Miguel Nicolelis afirma: “A superação do cérebro pelo IA é impossível”

O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis é uma figura proeminente nas discussões sobre inteligência artificial, chips cerebrais e a conexão entre o cérebro humano e máquinas. Ele liderou o Centro de Neuroengenharia na Universidade de Duke e agora está preparando um novo polo de pesquisa em Milão, na Itália.

Nicolelis é conhecido por seu trabalho desde os anos 1990 na criação de interfaces cérebro-máquina para auxiliar na reabilitação de pacientes com dificuldades motoras. Sua parceria com o Hospital São Raffaele promete avanços significativos na área da neurociência e neurotecnologia, com o desenvolvimento de novas terapias e tecnologias para pacientes que não têm acesso a tratamentos atuais.

O neurocientista enfatiza a importância de tornar a interface cérebro-máquina mais acessível a pacientes com lesões cerebrais. Com mais de 25 anos de pesquisa nesse campo, Nicolelis e sua equipe buscam expandir a utilização de exoesqueletos e outras tecnologias inovadoras para um público mais amplo, incluindo sistemas públicos de saúde em diversos países.

O objetivo de Nicolelis é compartilhar o conhecimento e as descobertas obtidas ao longo das duas últimas décadas, buscando democratizar o acesso a terapias avançadas e revolucionárias. A rede de centros de excelência que ele está construindo visa disseminar as inovações desenvolvidas e melhorar a qualidade de vida de pacientes em todo o mundo.

Recentemente, surgiu a ideia de expandir implementações médicas para uma escala maior, saindo do padrão de atender um paciente de cada vez. Isso abrange a análise de dados de um grande teste clínico, com uma abordagem não invasiva e sem intervenções cirúrgicas, visando chegar a um público mais amplo de pacientes necessitados. A perspectiva é que essa expansão ocorra nos próximos anos, trazendo avanços significativos nesse campo.

Em relação à inteligência artificial, a utilidade dos métodos estatísticos e de análise de dados é inquestionável em diversas áreas, como medicina, engenharia e jornalismo. No entanto, há críticas em relação à expectativa exagerada de que a inteligência artificial possa superar ou copiar a mente humana. O cérebro funciona de maneira distinta de um sistema computacional, e a tentativa de colocar a inteligência humana em fórmulas matemáticas é vista como uma imposição científica, matemática e física. A preocupação reside na venda de falsas expectativas e na tentativa de diminuir a condição humana perante máquinas.

A inteligência artificial não é considerada nem inteligente nem artificial, pois a inteligência é uma propriedade única dos seres vivos, resultado da interação com o ambiente e outros seres. O termo “artificial” também é questionável, uma vez que são os seres humanos que desenvolvem algoritmos e máquinas, não havendo origem divina ou natural nesse processo. A crença exagerada na ficção científica descrita por nós mesmos é apontada como um desvio da realidade.

Os limites dos chips cerebrais são questionados, juntamente com críticas ao Elon Musk, um dos pioneiros no desenvolvimento dessa tecnologia. Um ex-aluno de pós-doutorado afirma ter criado os implantes que Musk utiliza e destaca a falta de fundamentos científicos nos anúncios do empresário.

O entrevistado destaca que Musk propõe aplicações duvidosas para os implantes, como melhorar a eficiência de adolescentes em videogames, o que vai contra a ética médica. Alega que implantes cerebrais são para tratar doenças neurológicas, não para melhorar habilidades em jogos. Critica a falta de embasamento científico nas afirmações de Musk, acusando-o de visar apenas o lucro.

Sobre as possíveis aplicações dos chips cerebrais, o especialista destaca o potencial no tratamento de lesões medulares, como demonstrado em pacientes paraplégicos. A tecnologia levou à recuperação parcial desses pacientes, algo inédito na literatura científica. O próximo passo é aplicar o conhecimento em pacientes com derrame, visando ajudar milhões de pessoas afetadas por essa condição em todo o mundo.

Um novo avanço terapêutico para condições como o congelamento da marcha na doença de Parkinson está sendo desenvolvido, demonstrando potencial também para tratar casos de epilepsia crônica resistente a medicamentos. Estudos apontam que essa abordagem de neuroreabilitação poderia ser aplicada em diversas doenças neurológicas e psiquiátricas, buscando ampliar os tratamentos disponíveis.

A crescente demanda por métodos acessíveis e eficazes para problemas cerebrais tem sido destacada pela Organização Mundial da Saúde, principalmente devido às sequelas mentais decorrentes da pandemia de Covid-19. Com milhões de pessoas afetadas por doenças do cérebro em todo o mundo, a busca por terapias inovadoras e de custo acessível é urgente, visando beneficiar um grande número de pacientes.

O objetivo de disponibilizar tratamentos avançados para pacientes de forma acessível e eficaz é um desafio que envolve não apenas a comunidade científica, mas também os governos e os sistemas de saúde. A expectativa é que, no futuro, essas tecnologias possam ser adquiridas pelos governos e oferecidas gratuitamente, especialmente em países com sistemas públicos de saúde, como o Brasil.

O desenvolvimento dessas terapias e a sua disponibilização para pacientes dependem de diversos fatores, incluindo aprovações regulatórias, investimentos em saúde pública e a colaboração entre diferentes setores. A busca por métodos não invasivos e eficazes, com longa prática e mínimo de efeitos colaterais, pode acelerar a introdução dessas terapias no sistema médico global.

Um avanço tecnológico conhecido como eletroencefalografia, que capta a atividade do cérebro para controlar dispositivos mecânicos, foi utilizado durante a Copa do Mundo no Brasil. Foi criado um exoesqueleto para membros inferiores, permitindo que pacientes, ao imaginar andar, pudessem fazê-lo com ajuda do aparelho. Este processo facilita a recuperação, pois o paciente sente a sensação de caminhar, incorporando o exoesqueleto como parte do corpo.

Um estudo com uma grande casuística está sendo conduzido com dados de vários pacientes. A análise, inclusive, está utilizando inteligência artificial. O projeto desenvolvido na Itália tem potencial de expandir para o Brasil e outros países, com a criação de polos em diferentes continentes para replicar o trabalho feito em Milão.

Durante a pandemia de Covid-19, o entrevistado criticou o negacionismo de algumas figuras públicas e profissionais de saúde. Ele enfatiza que o avanço científico, especialmente no desenvolvimento de vacinas, foi fundamental para lidar com a crise. Entretanto, o negacionismo ainda persiste em certa medida e a pandemia continua, embora em outros patamares, destacando a importância de combater a desinformação.

Um tema de grande relevância política vem sendo discutido em diversas partes do mundo, a respeito da pandemia que, curiosamente, vem sendo pouco abordada pela mídia atualmente. Mesmo no Brasil, onde o número de mortes pela COVID-19 supera o de dengue, o assunto parece ter sido deixado de lado na agenda política e midiática.

No entanto, é inegável o papel crucial que a ciência desempenhou durante esse período. Apesar das dificuldades enfrentadas por comitês científicos, como a falta de recursos, a atuação dos cientistas foi fundamental para salvar vidas. Um exemplo disso foi o comitê do Nordeste, que mesmo enfrentando limitações financeiras, obteve resultados expressivos na contenção da pandemia, tornando a região uma das melhores em termos de mortalidade no Brasil.

A relação entre ciência e política é complexa e nem sempre fluída, devido aos objetivos distintos de cada grupo. No entanto, é evidente que o diálogo entre cientistas e políticos é essencial para lidar com desafios de saúde pública, como o enfrentamento de pandemias. É necessário superar essas barreiras para garantir a eficácia das medidas adotadas em situações de crise.

Em tempos difíceis como os que vivemos, é importante valorizar o trabalho dos cientistas e o papel da ciência na sociedade. A colaboração e a comunicação efetiva entre os diferentes atores são fundamentais para enfrentar desafios globais, como a pandemia de COVID-19, e garantir um futuro mais seguro para todos.

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